quinta-feira, 31 de julho de 2008

Feroz


A trovoada ressoa pela tarde:
iminente tempestade reboa.

Apaixonada devoção no arrebol:
ardente magenta
na introspecção do espírito...

Hora do ângelus.

Infinito aberto precipita
no sumidouro da noite acesa.
Defluxo, temporal descortina
em pancadas atordoantes.

Os seres expõem suas almas,
abrigam seus corpos.
Animais ecoam em gritos: é hora da tempestade!

Tempo...templo...temporal...
Tempestade - fragilidade do mundo! -
desabando feroz e atéia.

É tempo de recolhimento e espera!




27.04.1997

De Vinhos e Deuses





     Sob a sombra suave da videira,
    vejo o rosto ebúrneo e sereno:
Tua boca tocando, à maneira
  de um anjo, o fruto pequeno.



Idílio no entardecer profundo
Verde folhagem que se realça
no mosto de vinhos oriundos
de uma arte que nos embalça.



Dos cabelos, os cachos teus toco
como a sombra à videira: sonho.
Futuros carinhos em ti suponho.



Quimera! Onírico, lírico eu foco,
sob as ramas vãs do meu anseio,
tuas asas, plumas de um enleio.





23.11.1995

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Olho D'água




Veio atravessando a chuva que me atravessa
a travessa do olhar: caminhos...
Passos pisando poças que meu olho não via
e era quase manhã na mudez do meu lábio.


Um fino traço dos seus gestos risca a vidraça
com o giz da poesia que não faço.
Éramos ermos, dois lados da chuva...


- Seu cabelo molhado... meu, quase meu...


Você se funde, confunde em meio à chuva,
me inunda no que vejo: desejo.
O gosto da espera...

- sei que vou delineando no vapor lírico da vidraça
a graça do teu nome...


De pirraça volto a te sonhar
e no reflexo da hora estoura
a imagem refletida
no espelho das águas:
mágoas de lençóis dormidos.

Tempos idos que não voltam mais... Jamais!

Por detrás da encosta dos dias,
lembranças não cessam, escorrem pela chuva...
Você veio atravessando as águas, molhando os cabelos
que na mina dos anseios eu lavei.


Não sei dizer, até hoje,
se a existência deu-se no meu olho
ou no olho da rua...
A mesma rua que espreitava
a chuva que eu nunca atravessei.



20/11/1996

Serenidade ( silêncio )

Dos silêncios da calmaria
um gesto de algodão em flor,
quase nada, voz serenada,
a maciez do conforto:

AMOR.

Da suavidade das sedas
um gesto de cílios entreabertos,
um lento piscar feminil,
brandura inocente:

AMOR.

Da paciência oriental
da cerejeira rosa, do outro lado do Ser
um gesto de amanhecer serenado,
um orvalho de fruta calada,
um veludo de voz pueril:

AMOR.


O trânsito das gentilezas flexiona o espírito empedernido...


Há de haver em todo homem
o tempo das amenidades,
o silêncio dos segundos íntimos,
lá onde Deus se descobre
e a vida nos parece possível.

Há de haver um milagre.




17/11/1995

Letra Para Ti ( para Manuel Bandeira )


Eu que não morro
se não vens,
indiferente ao que tens,
riscos não corro
se me deténs
naquilo que fere rente
e a outrem agoniza
em graus fahrenheit.

Não és brisa, mas agitas Bandeira!

Tua face não é lisa... Não, Elisa!
És áspera e exasperas!
Nêspera de véspera.
Temporã que brota em mim,
fora de época:
eu que não estou nem aí!
Sou diferente, indiferente a ti...
Nada tenho com isso,
mas brotas em meu tempo
na madeira do papel
e me apiedo do poeta:

Pietá! Pietá!

Sei quem tu és:
mulher igual a todas,
igual a mil em mil!
Mulher diferente, indiferente mulher!

Sei da voz que ensina que tu és
desumana...
E eu que nem sei de ti,
tirana,
achei-te mesmo
desumana

desumana Elisa!




15/04/1999

quarta-feira, 16 de julho de 2008

O Vira Mar e Rio ( para Mário de Andrade )



Um Mar
Um Rio
Um Andrade:
árvore laurácea
brasileira
Um brasileiro
sem fim
Um Brasil de Mar e Rio
Diandrade
Um marconaímã
Marco nas Letras
Modernomar
Mar arco teso
do folclore e raiz
Mar e Rio nos deste
Nos deste o Nordeste
O Norte
O sul deste
Tu deste tudo
árvore profícua
prolífera árvore
Água de coco
ritmo das águas
do rio Tietê
Onde me queres levar?
Coração modernista
dividido em Sampa
mariodeandrade em riste
Riste do tempo, teu tempo...
Diga, com a voz que tens do Mar e Rio
Por onde passa Esta Rua?
E esta Luamar?
Me dá essa lua,
ser esquecido e ignorado
como esses nomes de rua.
Quem dera!
Coração de poetamante, poetandante...
Vira água de coco
de mar e rio
virandrade vira árvore
com flores hermafroditas
mil personas do Brasil
homens e mulheres

- Vira andrade, vira!!!
Inunda, viramaresia,
vira-mar-e-rio,
vira poesia, vira!!

Eis, o Vira!

Que mais virá?!





27.05.98

Muy Lato



Esse alento, essa ginga sensual,
esse molejo, corpo dolente.
Esse diálogo do corpo trigueiro
entre o ritmo e o frenesi
do ser e do espírito

de onde vem?

Movimentos de raças
que a flora em suas cores,
em diásporas das flores,
primavera nos quadris.

Afana o afã da fauna extasiada
para miscigenar os flancos blancos
Um movimento entre o animal
e o humano, a fusão.
Cafusa canção de amor:
índia teus cabelos nos ombros caídos,
negros como a noite...

Bacias em moventes raízes:
sangue e raça, roça e coça
só sossega na choça, no gemido
na palhoça.



Eta! Brasil! É brasa, é asa de folguedo!



Caóticos, bai.lançam estilhaços de tons, sons, dons: dança!
Anca... quadril... rodopio...
Linguagem pluricontinental no mapa do corpo que fala.
Panca de corpo forte! Cintura re
quebrada na linha do equador
flor de ingazeira, menina dos nossos olhos: morena!

Negra beleza negra na noite do samba que entoa
tão à-toa, tão à-toa: tanto tom tantã de tanto tontear
dançar, lançar, dançar... Bai.lançam Brasis!!!
Baticum, bate-coxa, bate-virilha - Bate, eia!!!
Bateia e bateeiro nas Minas das Gerais
Bacia onde se lava as almas das raças
re-percussão mexendo, remexendo

o sangue, as castas

para sermos todos um balé mulato
no sentido lato
muy.lato.





06.01.99

Mon Dieu! Mon Dieu!



Lá no Cabaret - pois é! Petit fleur
foi que vi, La Vie - a moça d'amour
e do amor me pus poète, esclave.
Mademoiselle de Paris, uma clave


De sol, de soleil, pois é! Um buquet...
Que fazer?! Agora é o diabo!Diga você,
com essa pândega - o amor - que será?
La chanson d'amour a murmurar: voi lá!
Qual rosa ao vento exalando perfumes,
desde o Cabaret, fiz-me frasco de ciúmes.
Apaixonado e casto na cidade das luzes...



C'est magnifique a vida do amor em rosa!
Onde o tempo cai em pétalas, romance e glosa?
Lá em Paris - mon Dieu! - lá, a Primorosa!





01.02.99

E só...





Brisa

suave

e lisa

sua ave

visa

a leve

calma

d'alma

no ar

suaviza

puro

véu

diáfano

ao léu

numa

paz

que é só

silêncio

encontro

nota

música

poesia
e




27.03.99

Palavra! Palavra!




A Palavra em si só,
(casca fechada em noz, dura e cerebral)
impenetrável em seu segredo,
é silêncio e ócio:
Nada.

É preciso abrir em nós,
generoso e emocional,
penetrável em sua receptividade,
o Som do Sim da Palavra:
Tudo.

Palavra quer ser presente, Ente
da raiz à sintaxe:
Léxico bom.
Gosto de língua madurada
no céu da boca de quem fala.
A Palavra quer ser estrela estalada
na ponta da língua,
Iluminar feito oração...
Frase que acende
a fé de quem faz do verbo
sua cruz e salvação.
A Palavra é vela no escuro
prometendo orações infindas.

O poeta abre o signo:
Que venham os significados!

A caixa de Pandora aberta
faz a festa das bacantes
na fresta da orgia das palavras...

Quem pode deter um verbo aberto?!
Solta o verbo!

Quando caio de língua num mantra
A palavra me exercita,
Oralidade das orações sagradas!
Me decifra e me devora: Palavra! Palavra!

Poesia é a mágica que faz
A Palavra generosa,
Perpetuada na carne de um povo,
Ser aberta e mostrar seus tesouros:
Oh, Sésamo! Abra-te língua!
10.06.2008